Defesa Nacional e Forças Armadas

O novo projecto de RDM<br>decorre da natureza da política deste Governo

Rui Fernandes
O Governo PS pretende estender aos militares na situação de Reserva e Reforma a aplicação do RDM. Não se trata de um mero descuido ou inabilidade, mas algo que decorre de uma concepção do Estado, que percorre, com as devidas diferenças, toda a legislação que o Governo PS tem vindo a implementar para a Administração Pública, bem como para os trabalhadores do sector privado(código do trabalho e as alterações que estão na forja) – liquidar direitos, fragilizar vínculos e facilitar os despedimentos através das alterações ao estatuto disciplinar dos trabalhadores da administração pública e outra legislação, adoptar mecanismos de dependência (sistemas de avaliações) que condicionem a capacidade reivindicativa; os ataque aos direitos sindicais, à liberdade de propaganda e de manifestação, os condicionalismos da nova lei de imprensa, a concentração numa pessoa do poder ao nível das forças de segurança e serviços de informações, a desvalorização da Polícia Judiciária e das competências do Ministério Público, a concepção de poder absoluto expresso na proposta de nova lei eleitoral autárquica que não é apagado pelo facto de ela não ter progredido, etc., têm como pano de fundo, como desde o XVII Congresso se tem vindo a alertar, a implementação da aplicação do conceito de segurança nacional, ao serviço de uma marcada política de classe que vem favorecendo sem medida os grandes grupos económicos. É neste sucinto quadro global que tem de ser entendido este novo passo em relação aos militares, consubstanciado no projecto de novo RDM. É conhecido que o Ministro da Defesa já veio a público dizer para os militares estarem descansados que isso não vai ser assim, que era só um anteprojecto. É uma justificação ridícula para uma ridícula pretensão, mas que não apaga a existência de uma determinada matriz de pensamento e leva a supor que procurarão atingir os mesmos fins por outros meios. Aliás, se essa matriz de pensamento não existisse, não teria sido levantado um processo a um Coronel na reforma por tecer apreciações criticas a situações existentes no Hospital da Força Aérea.
Mas o projecto de RDM existente vai mais longe. No art.º 16.º alínea a) ficam os militares proibidos de manifestar de «viva voz, por escrito ou por qualquer outro meio, ideias (…) prejudiciais (…) à disciplina das Forças Armadas». Como se mede isto no concreto? E o que significa «Não se servir dos meios de comunicação social (…) para tratar assuntos de serviço»? Falar de carreiras, da saúde militar, etc., é serviço? E o que é essa coisa espantosa de «não murmurar das ordens de serviço»? Não vamos aqui dissecar mais esta reaccionária preciosidade de anteprojecto de RDM.

Do preconceito à falsa modernidade

Um coro de críticas já se levantaram contra tais intentos e nesse justo coro de críticas não deixa de, nalguns casos, vir à tona preconceitos e erradas justificações que resultam do mesmo preconceito. Uma das primeiras linhas justificativas adiantadas por parte do Gen. Loureiro dos Santos, assenta na ideia da «válvula de escape», ou seja, é útil que os militares na reserva e na reforma possam abordar os assuntos militares como válvula de escape para os sentimentos existentes entre o pessoal na efectividade de serviço. Ora tal concepção, tende a ignorar e a remeter para um plano inexistente as associações militares e aquilo que está consagrado relativamente ao seu papel, cujo o Governo afronta. A realidade europeia é a da existência do associativismo militar de natureza sócio-profissional, admitindo mesmo alguns países a existência de sindicatos. Portanto, esta não é matéria do domínio das válvulas de escape, mas do domínio de uma concepção do Estado e do Poder e da sua relação com a Instituição Militar e os militares, ou seja, mais democracia e participação e, neste caso, respeito pela Constituição da República, ou concepções musculadas e de afronta a essa mesma Constituição. E não se confunda, como é propositadamente feito, essa concepção democrática, com cumprimento de missões, com desempenho operacional. Nada têm de antagónico ou contraditório, como provam as experiências da Alemanha, Holanda, Dinamarca e tantas, tantas outras.
O artigo 270.º da Constituição da República é claro ao estabelecer a possibilidade de restrições «na estrita medida das exigências próprias das respectivas funções» e só para«“os militares e agentes militarizados dos quadros permanentes em serviço efectivo». As alterações ao artigo 31.º da Lei de Defesa Nacional, bem como as discussões havidas nessa altura, também expurgaram as concepções que o projecto de RDM agora elaborado recupera.
Muitos dos que agora justamente se opõem às intenções constantes neste projecto de RDM, têm-se oposto (não é o caso do Gen. Loureiro dos Santos, diga-se em nome da verdade) há existência das associações militares de natureza sócio-profissional, têm-se oposto a justas reivindicações promovidas pelas mesmas associações, não ultrapassando o preconceito que os invade e colocando-os num mar de contradições, que tem favorecido os avanços contra os direitos dos militares e os retrocessos mais gerais verificados na sociedade portuguesa que fazem de Portugal, uma sociedade cada vez mais injusta e desigual. Por um lado, criticam as justas reivindicações e encontram sempre uma qualquer justificação para passarem ao lado, e por outro, queixam-se da ausência de atenção por parte do poder político para os problemas das Forças Armadas, alertam para a degradação da situação social e para as consequências que daí podem advir e difundem a popularucha teoria sobre os políticos e uma pretensa «classe política» que «servem-se em vez de servir», tudo sem nome, claro está. Este tudo sem nome, não é por acaso. Desde logo, é a forma simples de embrulhar tudo e com isso esconderem que as suas reais ligações e opções são, no essencial, com aqueles que «servem-se em vez de servir». Noutros casos fazem parte do importante lote dos que vivem a partir de amizades que mantêm no aparelho de Estado, coisa que acima de tudo preservam, mesmo que recorrentemente falem do seu desprendimento por cargos ou posições e citem exemplos de há 30 anos, como «atestado de bom comportamento». Em ambos os casos recitam teoria sobre a modernidade, mas está bem de ver que não superaram velhos preconceitos, concepções e úteis amizades.


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